A FORÇA DA EUCARISTIA
Paróquia Santa Rita de Cássia – Viçosa – MG
“QUEREMOS VER JESUS Caminho, Verdade e Vida”
(Jo 12, 21b; 14, 6)
Eucaristia e Comunidade
A “Ceia do Senhor” – 1Cor 11, 17–34.
1Cor 11, 23 – 26: “…Com efeito, eu mesmo recebi do Senhor o que vos transmiti: na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim’. Do mesmo modo, após a ceia, também tomou o cálice, dizendo: ‘este cálice é a nova Aliança, em meu sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim’. Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha.”
A Comunidade Vive da Eucaristia
A IGREJA vive DA EUCARISTIA como próprio núcleo de seu mistério. “Desde Pentecostes, este sacramento divino foi ritmando os dias da Igreja, enchendo-os de consoladora esperança”. Por isso, O olhar da Igreja volta-se continuamente para o Seu Senhor, presente no sacramento do Altar, onde descobre a plena manifestação de seu amor” (E.E., 1).
Somos Igreja Eucarística, comunidade dos seguidores de Jesus Cristo, cuja razão de ser é a própria Pessoa do Verbo Divino encarnado na história. Por isso, o Concílio Vaticano II, em sua Constituição Dogmática sobre a Igreja, recorda que a Eucaristia é fonte e ápice da vida cristã. (LG, 10). Tal realidade é visível desde as primeiras imagens da Igreja que encontramos no texto de Lucas, em Atos: “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações” (At 2,42). “Mais de Dois mil anos depois, continuamos a realizar aquela imagem primordial da Igreja. E, ao fazê-lo na celebração eucarística, os olhos da alma voltam-se para o Tríduo Pascal: para o que se realizou na noite de Quinta-feira Santa, durante a Última Ceia, e nas horas sucessivas. De fato, a instituição da Eucaristia antecipava, sacramentalmente, os acontecimentos que teriam lugar pouco depois, a começar da agonia no Getsémani. Revemos Jesus que sai do Cenáculo, desce com os discípulos, atravessa a torrente do Cedron e chega ao Horto das Oliveiras. Existem ainda hoje naquele lugar algumas oliveiras muito antigas; talvez tenham sido testemunhas do que aconteceu junto delas naquela noite, que Cristo, em oração, sentiu uma angústia mortal ‘e o seu suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra’ (Lc 22,44). O sangue que, pouco antes, tinha entregado à Igreja como vinho de salvação no sacramento eucarístico, começa a ser derramado; a sua efusão completar-se-ia depois no Gólgota, tornando-se o instrumento da nossa redenção: ‘Cristo, vindo como Sumo Sacerdote dos bens futuros (…) entrou uma só vez no Santo dos Santos, não com o sangue dos carneiros ou dos bezerros, mas com o seu próprio sangue, tendo obtido uma redenção eterna’ (Hb 9,11s). (E.E., 3).
Ecclesia de Eucharistia recorda que o enlevo do evento pascal deve invadir a assembléia eclesial e inundar o ministro que a preside.
Não compreender a vida da Comunidade sem profundos encontros com o Senhor neste sacramento, desejando-o desde a aurora, é testemunhar que a Igreja realmente vive da Eucaristia.
A Eucaristia faz a Igreja mediante a Comunhão
Um filósofo ateu disse: “O homem é aquilo que come”. Ele queria dizer que não há diferença qualitativa entre matéria e espírito. Com este pensamento, sem o saber, ele estava dando a melhor formulação para um mistério cristão. Graças à Eucaristia, o cristão é verdadeiramente aquilo que come. São Leão Magno dizia: “A nossa participação no Corpo e Sangue de Cristo faz-nos ser aquilo que comemos” (Sermão 12, sobre a Paixão, 7).
Na verdade, o próprio Cristo já o falou claramente: “Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, também quem me toma por alimento viverá por mim” (Jo 6,57). Aqui a preposição “por” indica dois movimentos: de procedência e de destinação. Quem come o Corpo de Cristo vive dele e para Ele, para sua glória, seu amor, seu Reino. A Eucaristia nos faz viver de Jesus e para Jesus.
Os Padres da Igreja serviram-se do exemplo da alimentação para explicar este mistério. É princípio vital, ensinaram, que o mais forte assimile o mais fraco. O vegetal assimila o mineral, o animal assimila o vegetal e o espiritual assimila o material. Santo Agostinho explica isto colocando nos lábios de Jesus estas palavras: “Não serás tu que me farás semelhante a ti, mas serei eu que te farei semelhante a mim” (Confissões VIII, 10).
O alimento, não sendo ser vivo, não pode transmitir a vida, mas a sustenta já presente no corpo. Quanto ao Pão da vida, a Eucaristia, dá-se o contrário: move quem se nutre dele! Nós é que somos movidos por Cristo a viver a vida que está nele: “Quem come de mim, viverá por mim” (Cabanilas, Vida em Cristo, IV, 3). Dizer que, na comunhão, Jesus nos assimila a Ele, significa dizer que Ele torna os nossos sentimentos, desejos, modo de pensar e de agir semelhantes aos dele. Faz-nos ter “os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus”, como diz São Paulo (Fl 2,5).
Jesus faz tudo isto “graças à sua função de coração do Corpo Místico”. O coração leva para os pulmões o sangue deteriorado de todo o corpo. Em contato com os pulmões, com o oxigênio, o sangue se purifica e o coração o devolve a todo o corpo. Para o corpo místico que é a Igreja, o mesmo faz o coração que é Cristo, na Eucaristia. Em todas as Missas, corre para Ele o sangue deteriorado de todo o mundo (nossos pecados, impurezas) para que Cristo os destrua e nos devolva um sangue novo que é o sangue do Cordeiro Imaculado, “remédio de imortalidade”, no dizer de Santo Inácio de Antioquia.
Só quem faz esta experiência pode compreender o que diz a Escritura: “O sangue de Cristo… purificará a nossa consciência dos atos que conduzem à morte” (Hb 9,14). E ainda: “O sangue de Jesus… nos purifica de todos os pecados” (1Jo 1,7). De fato, a Eucaristia é o coração da Igreja, de um modo muito mais profundo que se possa imaginar.
Esta realidade da fé nos dimensiona na comunhão com os irmãos e irmãs. O Apóstolo Paulo assegura: “Porque existe um único pão, nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo, visto que todos nós comungamos de um único pão” (1 Cor 10, 16s). Aqui se fala no corpo místico de Cristo, que é a Igreja. Santo Agostinho escreve: “Tendo sofrido a Paixão, o Senhor nos confiou, neste sacramento, o seu corpo e o seu sangue, fazendo que nós mesmos nos tornássemos estas coisas. De fato nós também somos o seu corpo, e assim, por sua misericórdia, aquilo que recebemos somos (…) Como vedes que é um pão preparado, assim também vós sois uma só coisa, amando-vos e conservando a mesma fé, a mesma esperança e uma indivisa caridade”. (Sermão Denis, 6).
O corpo de Cristo, que é a Igreja, formou-se à semelhança do pão eucarístico; passou pelas mesmas vicissitudes. O pão eucarístico realiza a unidade dos membros entre si, significando-a. Na Comunhão, “a unidade do povo de Deus é adequadamente expressa e admiravelmente produzida”. (LG, 11). Realiza não por si, automaticamente, mas com nosso empenho. Não posso desprezar a irmã, o irmão, aproximando-me da Eucaristia. Rejeitar a irmã, o irmão é rejeitar o próprio Cristo. (É como alguém que vai abraçar o amigo e lhe pisa os pés).
O Cristo que vem a mim na comunhão é o mesmo Cristo indiviso que vai também à pessoa que vive ao meu lado. Unindo-nos a Si, Jesus nos une uns aos outros. “Unidos na fração do Pão” (At 2,42). Em sua Encíclica DEUS CARITAS EST, o Papa Bento XVI assim se expressa: “… na comunhão sacramental, eu fico unido ao Senhor como todos os demais comungantes: ‘Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão’ (1Cor 10,17). A união com Cristo é a união com todos os outros, aos quais ele se entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim; posso pertencer-lhe somente unido a todos aqueles que se tornaram ou se tornarão seus. A comunhão tira-me para fora de mim mesmo projetando-me para ele e, desse modo, também para a união com todos os cristãos. (…) Na comunhão eucarística está contido o ser amado e o amar, por sua vez, os outros. (…) do contrário a eucaristia seria fragmentária”. (DCE, 14).
Na comunhão dizemos AMÉM ao corpo de Cristo, nascido de Maria e morto por nós. Mas dizemos AMÉM também ao corpo místico que é a Igreja, que são nossos irmãos e irmãs. Talvez digamos AMÉM facilmente à maioria das pessoas, mas sempre haverá alguém que nos faz sofrer, que se nos opõe, que nos critica, que nos calunia. Neste caso, é mais difícil, mas aqui se esconde uma graça especial. Se quisermos uma graça especial (um pedido, a santidade, o perdão, etc), eis o modo mais rápido de conseguí-la: acolher Jesus na comunhão junto daquele irmão ou irmã. Podemos até rezar: “Jesus, eu vos recebo junto com fulano (dizer o nome), hospede-o contigo em meu coração…” Este gesto agrada sumamente a Cristo, porque Ele sabe que, para fazê-lo, devemos morrer um pouco.
A Presença do Senhor na Comunidade
O 15º CEN apresentou-nos o tema: “Ele está no meio de nós”. Refere-se a uma realidade fundamental para a Igreja: o próprio Jesus, antes de voltar para o Pai, garantiu: “Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). Disse também: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20).
De que maneiras Jesus Cristo continua presente em nossa Igreja?
Jesus Cristo encontra-se presente na Comunidade de várias maneiras:
1) Está presente pela Palavra, pois Ele próprio é “o Verbo (a Palavra) de Deus que se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14);
2) (presença real operante) nas pessoas dos Pastores, chamados a ensinar e governar em seu nome;
3) (presença real comunitária) quando duas ou mais pessoas se reúnem em seu nome (Mt 18,20);
4) Como esposo: o apóstolo Paulo compara a união de Cristo com a Igreja com a união do esposo com sua esposa (Ef. 5,21ss);
5) No próximo, especialmente nos mais necessitados;
6) (presença real ontológica), é na Eucaristia, sob as espécies de pão e de vinho, que Jesus se faz presente de modo especial. Essa presença chama-se real: não que as demais presenças não o sejam, mas “porque é substancial, e “”porque por ela se torna presente Cristo completo, Deus e homem” (Paulo VI, MF, 1965).
O lema do 15º CEN – Vinde e vede! – parte de uma certeza: assim como os apóstolos André e João, todos têm direito de fazer a experiência do encontro com Jesus. Os Apóstolos, deixando João Batista, seguiram Jesus. A certa altura, ele lhes perguntou: “O que procurais?”. Os dois lhe perguntaram: “Mestre, onde moras?” E Jesus lhes respondeu: “Vinde e vede!” (Jo 1, 37ss). Uma Comunidade autenticamente cristã procura possibilitar idêntica experiência aos homens e mulheres de seu tempo, através de uma atitude acolhedora.
Testemunho da Comunhão
“Reconheceram-no ao partir o pão” – Lc 24,13-35
A Carta Apostólica MANE NOBISCUM DOMINE, ao trazer as linhas mestras para o Ano da Eucaristia, legado de João Paulo II (que no Brasil se estende até o XV CEN), baseia-se no episódio de Emaús. Seu texto recorda que A EUCARISTIA É FONTE E EPIFANIA DE COMUNHÃO. (MND, 19).
A aparição de Jesus aos discípulos de Emaús apresenta a primitiva Igreja dos discípulos a caminho da fé e revela os elementos constitutivos da vida comunitária. Trata-se de uma comunidade que escuta a Palavra de Deus presente nas Escrituras (Cristo é o primeiro exegeta) e, pela escuta, chega à fé na presença do Ressuscitado, que se encontra no meio dos seus enquanto se reparte o pão. Estão em relevo os dois elementos: liturgia da Palavra e da Eucaristia.
A caminhada dos discípulos de Emaús é um retrato da nossa própria caminhada espiritual. Enquanto não nos encontrarmos verdadeiramente com Jesus, fatalmente estaremos mergulhados “nas trevas e na sombra da morte” (Lc 1,76), tal como os discípulos, abatidos e desiludidos na sua esperança. Mas a voz do Jesus ressuscitado, através da Igreja-Comunidade, nos chama à conversão e ao crescimento na fé. Para isso, Ele derrama sobre nós o seu Espírito, para que o reconheçamos não só na Sagrada Escritura, mas também na Eucaristia.
Emaús e Eucaristia: o caminho; a fração do Pão e o retorno a Jerusalém.
Desde o Vaticano II, a Igreja tem reforçado seu aspecto comunitário. É por isso que as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, (CNBB, 71), orientam o caminho para a vida em comunidade, através de Três aspectos do testemunho da comunhão:
a) Dimensão comunitária.
b) Dimensão bíblico-catequética – formação.
c) Dimensão litúrgica.
As DGAE destacam:
1) Promover a dignidade da PESSOA;
2) Renovar a COMUNIDADE;
3) Construir uma SOCIEDADE solidária.
O Projeto Nacional de Evangelização (2004/2007) nos recorda que a
Jesus só se chega verdadeiramente pelo caminho da fé, por isso proclama: QUEREMOS VER JESUS Caminho, Verdade e Vida (Jo 12, 21b; 14, 6). “Alegraram-se os discípulos por verem o Senhor” (Jo 20,20).
O horizonte para o qual “deve tender todo caminho pastoral é a santidade. Isto significa partir sempre de Cristo, pelo itinerário de fé delineado pelo Evangelho e pela tradição viva, para n’Ele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história até a sua plenitude na Jerusalém Celeste” (NMI 29,30).
O Projeto Nacional de Evangelização está se desenvolvendo sobre os trilhos de duas grandes e fundamentais apostas: a espiritualidade da comunhão e a aposta da caridade. (NMI 49; DGAE 113, 152).
Comunidade e Partilha
O Lava-pés – Jo 13, 1-15:
“Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais”.
Os sinóticos (Mt, Mc e Lc) apresentam a narrativa da instituição da Eucaristia. Diferentemente deles, João concentra toda a sua atenção no sentido profundo da mesma, isto é, o imenso amor de Deus para conosco. Como um verdadeiro artista, ele revela este amor num gesto simples e ao mesmo tempo comovente, o lava-pés. O Cristo se levanta da mesa, depõe o manto, toma uma toalha, cinge-se com ela, coloca água numa bacia, lava os pés dos discípulos e os enxuga com a toalha com a qual estava cingido. Na conclusão, vem a pergunta e a advertência de Cristo: “Compreendeis o que eu vos fiz? Vós me chamais de Mestre e de Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Se, portanto, eu o Mestre e o Senhor vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns dos outros” (Jo 13, 12-14).
Através deste gesto, o Cristo não apenas se tornou o servo de todos, mas também o modelo pelo qual devemos pautar a nossa vida. Ele mostrou como devemos realizar em nossa vida o seu seguimento, colocando-nos ao serviço dos outros. O cristão, como diz Paulo, é o servo dos outros (Gl 5,13). A exemplo de Cristo, este amor sincero pelo próximo deve ser levado até às últimas conseqüências, “amou-nos até o fim” (Jo 13, 1), isto é, se necessário, até a morte.
Comunhão com Cristo e com os irmãos no lava-pés e na Eucaristia:
Verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Jesus nos faz unir o divino e o humano. Temos uma certa tendência de desumanizar Jesus e, com isto, desumanizamos a vida cristã e a salvação. É o que gera uma dicotomia em nossa espiritualidade, levando-nos à alienação. Queremos encontrar o Cristo glorificado sem o acolher em sua paixão. O simbolismo do lava-pés nos faz contemplar em Jesus o exemplo a seguir: “Dei-lhes o exemplo para que, como eu fiz, também vocês o façam”.
Na Eucaristia devemos realizar a mesma coisa. O pão e o vinho que Jesus tomou e deu aos seus amigos é o mesmo gesto de assumir a tarefa de “ser para os outros”. “Este é o meu corpo, entregue por vocês; este é o meu sangue derramado por vocês. Aqui estou eu para vocês. Fiz-me pequeno em suas mãos”.
E aqui também Jesus nos convida e nos adverte: ‘Façam isto em minha memória”. Cristo está aqui, antes de tudo, na doação ao outro. Só isto é verdadeira comunhão.
Porque temos dificuldades em aceitar um Cristo tão humano e tão fraco, achamos também difícil celebrar a Eucaristia, realizar comunhão entre nós. Aqui somos chamados a fazer também o nosso Êxodo, sair da situação bem conhecida, embora não sem problemas, sair do nosso Egito e enfrentar o deserto para chegar à Terra Prometida da verdadeira comunhão, da verdadeira Eucaristia.
Em Atos, Lucas nos recorda: “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações” (At 2,42). Diante de tal vivência eucarística, “Não havia necessitados entre eles” (At 4,34). É assim que a Eucaristia fala mais alto em nossa vida: quando praticamos o diálogo, a justiça e a partilha. “Enraizados em Deus, vivendo em comunidade, para servir a Cristo na pessoa do próximo”, saberemos abrir os olhos, “levantar da mesa” e “lavar os pés” dos irmãos e irmãs.
Amor, Sofrimento e Morte fazem nossa Eucaristia
A Eucaristia é sinal do que Deus é para nós e do que nós somos para Deus. Ela não nos livra da tribulação, mas nos impulsiona a imprimir na história o dinamismo do Projeto de Deus.
Evangelista da “Palavra que se fez carne”, de Deus que se fez gente, João é o que mais aprofunda a transparência divina das realidades humanas. Tocada por Jesus, cada uma dessas realidades se transforma em sinal: são sinais da sua glória, como o foi a água transformada em vinho, em Caná; como o foi ainda a água, pedida e oferecida à samaritana, junto ao poço de Jacó; como o foi o paralítico curado à beira da piscina de Betesda, ou o cego de nascença, na fonte de Siloé; ou como os cinco pães multiplicados para a multidão nas colinas da Galiléia. São sinais que tantos viram, presenciaram, mas não entenderam porque não abriram seus corações à fé para crerem.
O capítulo 6 de João começa abordando um fato notório na vida pública de Jesus: o milagre da multiplicação dos pães, (Jo 6,1-15), narrado também por Mateus (14,13-21) e Marcos (6,32-44). Só que João não apenas narra o episódio, mas reflete longamente sobre o seu significado, exatamente, a sua “transparência”. Com isto, ele dedica 15 versículos à narração do fato e outros 50 para discutir, refletir e aprofundar o “sinal”.
Na Didaché, encontramos detalhada explanação referindo às muitas uvas esmagadas e aos grãos de trigo triturados; reunidos de tantos lugares para formar o vinho e o pão. Trata-se de um “sinal” que dá a transparência à nossa vida eucarística. (Didaché 4,4).
O testemunho do Cardeal Van Thuan
“CINCO PÃES E DOIS PEIXES – do sofrimento do cárcere um alegre testemunho de fé” é um verdadeiro bálsamo para o físico cansado e a alma inquieta dos homens e mulheres que enfrentam a vida hoje.
Recensão:
1 – Primeiro pão: viver o momento presente. Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, até 23 de abril de 1975 foi, por oito anos, bispo numa das 22 dioceses do Vietnã, mais precisamente, em Nhatrang. Época em que Paulo VI o promovera a arcebispo-coadjutor de Saigon, uma das três arquidioceses. Os comunistas chegam a Saigon dizendo que tal nomeação era fruto de um complô entre o Vaticano e os imperialistas, para organizar a luta contra seu regime. Três meses depois Dom Francisco é chamado ao palácio presidencial para ser preso, (15-8-1975). Naquela noite, numa estrada de 450 Km que o levava à sua “residência obrigatória”, ele toma uma resolução interior: “Não esperarei. Vivo o momento presente, enchendo-o com amor”. Teve a idéia de fazer como São Paulo quando estava preso: escrever cartas às comunidades.
2 – Segundo pão: Discernir entre Deus e as obras de Deus. “Numa noite, das profundezas do meu coração senti uma voz que sugeria: ‘Por que te atormentas assim? Deves distinguir entre Deus e as obras de Deus”. Concluiu que seu dinamismo era em prol das obras de Deus, mas não Deus. Colocando tudo nas mãos de Deus, Ele o fará infinitamente melhor, confiando-as a outros. A mensagem acolhida: “Escolheste somente Deus, não suas obras… Aqui é minha catedral, aqui é o povo de Deus que tu me deste para cuidar…”.
3 – Terceiro pão: Um ponto firme, a oração. Dom Francisco fala que, sobre o muito tempo para rezar na prisão não é tão simples como se pode pensar. Disse que experimentou toda a sua fraqueza física e mental. Houve dias de cansaço, doença em que não conseguia rezar. O tempo passa muito lentamente e os anos parecem mais uma eternidade. Além de apenas dizer para Jesus que ele estava ali em sua presença e sentir a resposta, pode se apoiar em orações breves e simples do evangelho… Muitos cânticos…
4 – Quarto pão: Minha única força, a Eucaristia. Quando preso, ele teve que viajar logo, estava somente com o Rosário. No dia seguinte, pode escrever, pedindo as coisas mais necessárias, dentre elas, pediu vinho, “como remédio contra o mal de estômago… Não poderei nunca exprimir a minha grande alegria: todos os dias, com três gotas de vinho e uma gota de água na palma da mão, celebro a minha Missa”.
5 – Quinto pão: Amar até a unidade o testamento de Jesus. Diante da aspereza dos guardas, vendo que nenhum agrado tinha para ofertar-lhes, vem um pensamento à mente do bispo: “Francisco, tu és ainda muito rico. Tens o amor de Cristo em teu coração. Ama-os como Jesus te ama”. Foi o testemunho de amor que fez o caminho da aproximação dos guardas.
6 – Primeiro Peixe: Maria Imaculada, meu primeiro amor. A visita a Lourdes, nas férias dos estudos em Roma, deixara nele a identificação com Bernadete que ouvira da Virgem: “não te prometo alegrias e consolações nesta terra, mas provações e sofrimentos”. Dom Francisco testemunha o amor a Maria que aprendeu em casa com a mãe e a avó. Além de orar a Maria, ele diz: “Mãe, que posso fazer por ti? Estou pronto a cumprir tuas ordens… para o reino de Jesus”. É exatamente na festa da Apresentação de Maria no Templo, após treze anos, três meses e seis dias, aos 21/11/1988, Ela o libertou do cárcere. Ele diz: “Maria é minha Mãe, a mim dada por Jesus…”.
7 – Segundo peixe: Escolhi Jesus. Dom Francisco conclui seu testemunho apresentando 24 itens, inspirados no Evangelho, referindo-se às horas do dia, dizendo: “Se vivemos 24 horas radicalmente por Jesus, seremos santos”.
– Testemunhos da Eucaristia: Floripes (Lola) e outros (…).
Passado, Presente e Futuro
A presença amiga de quem se interessa por nós é uma dádiva. Jesus veio nos trazer gratuitamente a salvação. Cumpriu plenamente o sonho divino: o resgate da pessoa humana. Veio habitar entre nós, porque se fez carne. Terminando sua jornada temporal, Ele não quis nos deixar órfãos. Pediu o Pai que enviasse o Paráclito para nos defender.
A amizade que Jesus nos tem é indestrutível. Está pactuada na nova e eterna Aliança: a primeira Missa que Ele celebrou com a última Ceia. Uma presença que engloba o ontem, o hoje e o amanhã da história:
Passado: Em benefício retroativo, a humanidade inteira, deste seu início, é redimida em previsão dos méritos da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, cuja maior expressão encontra-se em sua doação: “Tomai e Comei… é o meu Corpo… Tomai e Bebei… é o meu Sangue que é derramado por vós todos”. Como memorial da Morte e Ressurreição de Jesus, atualiza o Sacrifício do Calvário e traz toda a sua eficácia para humanidade. A missão cristã deve ser vista a partir do mandamento de Jesus: “Fazei isto em memória de mim”.
Presente: Na consagração, de novo Jesus Cristo se oferece misticamente pela salvação de todos os seres humanos: “Jesus morre misticamente na Missa sagrada, é dogma de fé… No Calvário se escondia Sua divindade, mas aqui também se esconde Sua humanidade”. A Eucaristia é a vida celebrada à luz da fé, com Cristo, por Cristo e em Cristo a Deus Pai, na unidade do Espírito Santo. Acontecimento histórico-salvífico, ela é fonte de vida e esperança, levando-nos a assumir a tarefa eclesial a serviço da comunhão.
Futuro: Em cada Eucaristia se dá o caráter antecipativo. É o “Já” e o “Ainda não” do Reino. Sintonizados com o Deus-conosco, antecipamos o Céu na terra. Jesus Ressuscitado, vencedor da morte, se faz presente com seu Corpo glorificado. Por isso, São João Maria Vianey, o Cura D’Ars, afirmou: “Se compreendermos a beleza da Missa, morreremos de felicidade”.
Maria, presença que se renova
Em sua Encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, João Paulo II dedicou um capítulo à Santíssima Virgem, sob o título: “Na Escola de Maria, mulher ‘eucarística’”. Bem no início lemos: “Se quisermos redescobrir em toda a sua riqueza a relação íntima entre a Igreja e a Eucaristia, não podemos esquecer Maria, Mãe e modelo da Igreja”. (E.E.,53).
Na Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, depois de indicar a Virgem Santíssima como Mestra na contemplação do rosto de Cristo, João Paulo II inseriu entre os mistérios da luz a instituição da Eucaristia. Na oportunidade, assegurou que Maria pode guiar-nos para o Santíssimo Sacramento porque tem uma profunda ligação com ele.
Outra consideração interessante, a partir dos Atos dos Apóstolos, é sobre a presença de Nossa Senhora junto do grupo, o tempo todo. Considerando que “eles eram assíduos na fração do pão…”, Atos 2,42, Ela não podia deixar de estar presente no meio da primeira geração cristã, nas celebrações eucarísticas, denominadas à época ‘fração do pão’.
Como Mistério da fé, a Eucaristia excede tanto a nossa inteligência que nos obriga ao mais puro abandono à palavra de Deus, ninguém melhor do que Maria pode servir-nos de apoio e guia nesta atitude de abandono. “Todas as vezes que repetimos o gesto de Cristo na Última Ceia dando cumprimento ao seu mandato: ‘Fazei isto em memória de Mim’, ao mesmo tempo acolhemos o convite que Maria nos faz para obedecermos seu Filho sem hesitação: ‘Fazei o que Ele vos disser’ (Jo 2,5). (idem, número 54).
A oferta de seu ventre virginal para a Encarnação do Verbo de Deus está na perspectiva da fé eucarística. Por isso, o nosso AMÉM corresponde ao SIM de Maria no mistério da Encarnação. Ela recebeu Jesus e Jesus a recebeu, como ocorre em nossa comunhão eucarística. Ela é o primeiro “sacrário” da história, diante do qual Isabel adorou Jesus sem vê-lo, senão como que “irradiando” a sua luz através dos olhos e da voz de Maria.
Maria viveu a dimensão sacrifical da Eucaristia, desde a profecia de Simeão (Lc 2,34s). João Paulo II recordou ainda: “Fazei isto em memória de Mim’ (Lc 22,19). No ‘memorial’ do Calvário, está presente tudo o que Cristo realizou na sua paixão e morte. Por isso, não pode faltar o que Cristo fez para com sua Mãe em nosso favor. (…) ‘Eis tua Mãe’ (Jo 19,26s). Maria está presente, com a Igreja e como Mãe da Igreja, em cada uma das celebrações eucarísticas”. (idem,55ss).
A conclusão do capítulo sobre Nossa Senhora, na Encíclica a Igreja Vive da Eucaristia é feita com a apresentação de uma releitura do Magnificat na perspectiva eucarística, acentuando o louvor e a ação de graças presentes em ambos. Para amar de verdade a Eucaristia, nada melhor do que entrar “na escola de Maria”.
Ao referir-se à sua visita ao Brasil, em maio de 2007, por ocasião da V Conferência do Episcopado Latino Americano e Caribenho, o Papa Bento XVI assim se expressou: ‘Estou muito feliz de ir a Aparecida’. E acrescentou: “Vamos ao santuário mariano de Aparecida. De maneira que no meio do cenáculo está a Virgem, ajudando a Igreja a refletir sobre o que tem de fazer para que o Evangelho adentre mais profundamente na vida do mundo em que estamos’.
Concluímos com a Carta Apostólica DIES DOMINI: “Os homens e mulheres deste Terceiro Milênio, ao encontrarem a Igreja que cada domingo celebra alegremente o mistério de onde lhe vem toda a sua vida, possam encontrar o próprio Cristo Ressuscitado. E os seus discípulos renovando-se constantemente no memorial semanal da Páscoa, tornem-se anunciadores cada vez mais credíveis do Evangelho que salva e construtores ativos da civilização do amor” (DD,87).
Padre Paulo Dionê Quintão
Pároco de Santa Rita de Cássia em Viçosa MG