O dia do Natal de Jesus relembra para todos os cristãos verdades
fundamentais da fé. Uma delas é que à natureza divina da Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade, se uniu, no dia da Anunciação, a
natureza humana recebida da Virgem Maria pelo poder do Espírito Santo.
Os teólogos empregam então, com propriedade, o termo união
hipostática. Santo Agostinho explica este dogma de fé ao dizer que o
Verbo de Deus recebeu o que não era, não perdendo o que era. Cristo,
de fato, como ensina São Leão Magno, “desceu de tal modo, sem
diminuição de sua majestade ao tomar a condição de nossa humildade,
que, uniu a verdadeira condição de servo àquela condição em que é
igual ao Pai e ligou ambas as naturezas com o vínculo de tão íntima
aliança que nem a inferior com tão grande glorificação ficou
absorvida, nem a superior diminuída com a assunção que realizou”.
Note-se que o vocábulo assunção é tão técnico como a expressão
hipostática. Trata-se de uma união cuja iniciativa cabe à Segunda
Pessoa divina e que resulta na elevação da natureza assumida, uma vez
que o resultado final é algo humano-divino que se dá. Por isto andou
em clamoroso erro Eûtiques, heresiarca grego, que, no século quinto,
ensinava que a natureza humana de Cristo se dissolvera na natureza
divina, o que, evidentemente, jogava por terra todo efeito da
Encarnação de Jesus que veio para resgatar a humanidade pecadora. O
Concílio de Calcedônia em 451 condenou esta heresia. O Redentor
pagaria o que a nossa condição terrena tinha em dívida para com Deus.
É, deste modo, que Jesus se tornou o único Mediador como convinha ao
remédio necessário à raça humana, ou seja, que Ele pudesse morrer em
virtude de uma das naturezas e ressuscitasse em virtude da outra.
Enquanto Deus, foi o médico celestial; enquanto homem, pôde resgatar a
estirpe à qual passou também a pertencer. Daí resulta imensa gratidão
ao Criador que, pela muita misericórdia que nos devotou, tendo
compaixão de nós, estando nós mortos por causa do pecados, nos fez
reviver em Jesus para sermos nele uma nova criação de suas poderosas
mãos. Corresponder à gratuidade de Deus, renascendo para uma vida
nova, eis aí a obrigação de todos que têm fé. Cumpre revestir o homem
novo de que fala o Apóstolo Paulo, deixando para trás tudo que não
está de acordo com o que Jesus ensinou. É o conselho de Leão Magno num
de seus mais belos sermões do Natal: “Reconhece, ó cristão, a tua
dignidade, e, já que foste feito participante da natureza divina, não
queiras voltar à antiga vileza com procedimentos indignos de tamanha
nobreza”. Jesus nasceu, de fato, para nos transladar para a luz do
reino eterno do Ser Supremo, do qual é preciso começar a participar já
nesta terra. Diante do Presépio é necessário que o batizado se lembre
que, ao ser regenerado na pia batismal, se tornou o templo vivo da
Trindade Santa e que, portanto, não pode cometer ações por cuja
perversidade expulse de si tão grande Senhor para se submeter à
escravidão ignóbil do Diabo. Importância tal tem cada um daqueles que
Jesus veio remir que o preço desta redenção, a qual se iniciou em
Belém, é o próprio sangue divino. Que, então, perante a manjedoura se
renuncie às obras da carne de que fala São Paulo na Carta aos Gálatas
(5,19). Apenas assim as alegrias do Natal serão consistentes e não uma
mera comemoração externa de um fato histórico. O referido São Leão
Magno frisa no seu texto a palavra HOJE: “Nasceu hoje o nosso
Salvador”. A mesma eficácia salutar que, um dia, tal acontecimento
trouxe em Belém, se dá para aqueles que se imergem nesta festa
singular através da participação na liturgia. Este é o grande sinal de
que os atos salvíficos de Cristo se realizam novamente, conferindo à
alma fiel as graças vinculadas a tal evento. Hoje nasce Jesus para as
almas dispostas com fé viva e ortodoxa a recebê-lo com júbilo no seu
coração! Verdadeiro Deus Jesus viveu a condição humana para nos
mostrar a proximidade de Deus Pai, seu amor infinito, incondicional,
pessoal e personalizado para cada pessoa. A mensagem do Natal é, de
fato, esta: Deus quis participar da vida dos homens com as alegrias do
cotidiano, mas também aa dificuldades, o sofrimento e até mesmo a
morte. A mensagem do Natal é portanto um convite a uma absoluta
entrega nos desígnios divinos, pois Jesus nos leva até Deus seu Pai e
nosso Pai agora neste mundo e depois por toda a eternidade. *
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.