AS TENTAÇÕES DE JESUS NO DESERTO

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Segundo São Lucas, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, onde
esteve durante quarenta dias, sendo tentado, enquanto homem, pelo
demônio (Lc 4.1-13). A tentação do pão se liga ao episódio bem
conhecido do maná, a tentação dos Reinos da terra faz referência ao
famoso acontecimento do bezerro de ouro e a última tentação, aquela do
Templo, tem relação com o evento de Massa e Meriba no qual, apesar
de terem visto as maravilhosas obras de Deus, os israelenses O
provocaram. As três respostas de Jesus tem relação não somente com a
fé de Israel em um só Deus, mas também, e sobretudo. à maneira de se
comportar diante dele, a saber, alimentar-se da Palavra, não colocar
Deus à prova e render somente a Ele o culto que só a Ele é devido. São
os três preceitos fundamentais aos quais Israel havia sido infiel
durante a peregrinação no deserto. Jesus três vezes foi colocado à
prova, saindo vitorioso, cumprindo assim as Escrituras ficando fiel à
aliança com o Pai. É de se notar que São Lucas insere entre o batismo
e as tentações no deserto a genealogia de Jesus que ele conclui por
“filho de Adão, filho de Deus” (Luc 3,38). Foi, portanto, confortado
em sua identidade que Jesus “foi conduzido pelo Espirito ao deserto”.
Aliás, Satanás tentou por duas vezes Jesus, invocando explicitamente a
essência de seu ser: “Se és o Filho de Deus”. É exatamente por isto
que Ele ia ser colocado à prova. Entretanto Ele era, de fato, o Filho
de Deus, mas as consequências que o diabo tira desta realidade são
inteiramente errôneas e é isto que constitui a tentação. Jesus haveria
de ensinar o que significa para o cristão a dignidade e a vocação de
filho de Deus e como se comportar em consequência desta realidade
sublime. O demônio queria que Ele fizesse prodígios extraordinários
fora dos planos divinos. Na primeira tentação o diabo se apoiou em
uma necessidade legítima de Jesus depois de 40 dias de jejum. Ele teve
naturalmente fome. Nada mais natural. Mas se era uma necessidade
legítima, devia-se tomar os meios para vencer aquela dificuldade.
Entretanto, Jesus não era um ser dividido interiormente, era um ser
unificado, ou seja, Ele organizara toda sua vida em redor de sua
identidade profunda. Ora, ser Filho de Deus era antes de tudo, e
sobretudo, estar em sintonia cm o Pai, reconhecendo que tudo dele se
recebe. Um dia Ele dirá: “Meu alimento é fazer a vontade do Pai” e
jamais Ele seguiria o conselho do demônio, transformando pedras em
pães e, assim sendo, afastou para longe de si o tentador iníquo. Na
segunda tentação o diabão mostrou a Jesus todos os reinos do universo,
querendo, ousadamente, sua submissão, mas recebendo imediatamente a
resposta taxativa: “Ao senhor teu Deus é que adorarás e só a ele
prestarás culto”. Na terceira tentação Jesus se viu no pináculo do
templo, querendo que Ele dali se precipitasse, pois os anjos viriam e
O sustentariam. Peremptoriamente veio a resposta de Cristo ao Príncipe
das Trevas: “Não tentarás o Senhor teu Deus” Diz São Marcos que
“esgotada toda espece de tentação o diabo retirou-se de junto dele,
até certo tempo”, pois voltaria no tempo da Paixão de Cristo.
Colocando este texto no início da quaresma a Igreja quer nos lembrar
que a verdadeira conversão para o cristão é de se recordar de sua
vocação e intimidade com o Filho de Deus. Jesus é o Filho de Deus não
porque poderia mudar as pedras em pão, nem porque podia se lançar do
alto do templo, nem porque Ele é livre de dar um culto a quem Ele o
quiser dar. Ser Filho de Deus não é a exaltação de um eu
hipertrofiado, nem realização de nosso desejo de todo o poder. Jesus
ao repelir as insinuações de satanás realizou sua identidade de Filho
de Deus, vivendo em plenitude a Palavra de seu Pai e nem colocando à
prova aquele no qual Ele confiava e adorando seu Pai e somente a Ele.
Por sua atitude Jesus realizava em plenitude as Escrituras e deste
modo realizou sua vocação e mostrou sua verdadeira identidade. Ele foi
tentado mas sem pecado algum, como lemos na Carta aos Hebreus. Ele
foi tentado quanto à fome, ao orgulho, ao desejo de poder, mas,
deixou-nos o exemplo, de como vencer definitivamente ao diabo que deve
sempre ser vencido. Ser filho de Deus é antes de tudo, e sobretudo,
reconhecer que nossa vida vem de Deus e receber dele tudo que temos
numa fidelidade absoluta nele, apoiando sempre em sua Palavra. Ser
dele filho é adorá-lo somente a Ele e de nenhum outro esperar a
salvação. Ser cristão é estar intimamente unido a Deus na confiança e
no amor e, para isto, se torna muito favorável o tempo quaresmal. A
exemplo de Jesus cumpre ao cristão vencer sempre as insinuações do
demônio e, assim, viver em plenitude a dimensão espiritual da
existência de um verdadeiro cristão.

Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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