Como lemos em São Mateus, Jesus, após ser batizado, “subiu da água e
eis que se lhe abriram os céus e viu o Espírito de Deus, que, em
figura de pomba, desceu sobre Ele. E veio uma voz que dizia: “Este é o
meu Filho amado, no qual ponho minha complacência”. Portanto,
confortado em sua identidade, foi que Ele foi conduzido pelo
Espírito Santo para o deserto (Mt 4,1-11). Foi, assim, para um lugar
de encontro, em solidão com Deus, e um lugar de combate espiritual.
Observe-se que satanás tentará, Jesus, inicialmente, por duas vezes
invocando explicitamente a qualidade excelsa de seu ser: “Se és o
filho de Deus”. Aquele que acabava de ser manifestado como Filho de
Deus foi colocado à prova e foi o mesmo Espírito que repousa sobre
Jesus que o conduz ao deserto para aí suportar provas da tentação.
Fala o demônio a Jesus: “Se tu és Filho de Deus, dize que estas pedras
se transformem em pães [,] “Se és o Filho de Deus, lança-te daqui
abaixo”. O motivo invocado pelo diabo não era falso. Jesus era bem o
Filho de Deus. Entretanto, as consequências que ele tira disto eram um
erro crasso e constituem a tentação. Transformar as pedras em pão e se
lançar do alto do templo são duas tentações que se resumem numa única
prova, ou seja, se valer do título de Filho de Deus para agir em
consequência. O demônio queria que Ele manifestasse prodígios para se
gloriar de sua independência daquilo que, na verdade, era um dom de
seu Pai. Esta tentação lembra bem aquela do homem sofreu no jardim do
Éden. A serpente infernal incitava o primeiro casal humano a
desconfiar de Deus: “Absolutamente, não morrereis, mas Deus sabe que
no dia em que comerdes da fruta proibida vossos olhos se abrirão e vós
sereis como deuses que conhecem o bem e o mal”. Ser como os deuses no
meio da criação, decidindo o bem e o mal, dominando para seu proveito
os elementos, eis o que o homem iria adquirir. O que é notável nas
respostas de Jesus é que Ele fará apelo a sua humanidade e à submissão
para com o Pai, a fim de afastar a tentação. Está escrito: “Não só de
pão viverá o homem” […] Tu não tentarás o Senhor, teu Deus”.
Descobrindo nossa identidade, nosso valor, a tentação fundamental,
para Jesus e para o homem é de se porem rival de Deus, nosso Pai. Ora
nossa identidade e nossa vocação não são algo que devemos escolher e
defender cuidadosamente contra aquele que a desejaria retirar nós. Mas
o que nós somos é um dom que se recebe e se vive numa dependência que
é um filiação. Jesus era o Filho de Deus não porque poderia mudar as
pedras em pão ou se lançar incólume do pináculo do templo abaixo, mas
Ele realiza sua identidade de Filho de Deus alimentando-se da Palavra
de seu Pai e não o colocando à prova. A terceira tentação levava a uma
ambição desmedida oferecendo falsamente tudo que existe no mundo em
troca da absurda adoração do espírito do mal. Firme as palavras de
Jesus: “Adorarás ao Senhor, teu Deus, e a ele só prestarás culto”. Na
sua humanidade Cristo sofreu as tentações e as venceu e com Ele sempre
também nós triunfaremos do demônio. Ele nos ensinou a rezar ao Pai:
“Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”. Todas as
incitações do espírito perverso que o homem suporta o Senhor as
suportou na sua humanidade e nos ensinou como vencer satanás e suas
maldosas insinuações para que com Ele e por Ele sempre vençamos na
luta entre a verdade e o erro. Jesus, enquanto homem, poderia afirmar
que seu alimento era fazer a vontade do Pai e jamais, portanto, se
portar como um seu rival. Jesus apela para a Palavra de Deus que como
uma luz desmascara o erro e como uma espada expulsa o inimigo. Jamais
Ele perderia sua identidade, porque Ele era o Verbo de Deus que
habitou entre nós. Por sua atitude perante satanás Cristo cumpria as
Escrituras e também realizava sua vocação de salvador do gênero
humano. Jesus venceu a fome, o orgulho, o desejo de poder, o
imediatismo. Deste modo, praticamente nos ensinou como vencer as
tentações diabólicas. Deu-nos inclusive o exemplo da oração e do jejum
como uma prova de fé e de amor. Pelo pequeno sacrifício do jejum
fazemos algo que nos custa um pouco e nos dispomos a afastar as
insinuações diabólicas, pois a oração e a penitência são uma prova de
sinceridade e de amor diante de Deus e seus desígnios. O diabo é
aquele que divide e desune, o tentador que quer seduzir para o mal. É
satanás o mentiroso, o pai da falsidade, procurando excitar o desejo
humano de ter, de poder, de ser igual a Deus. Quem, porém, se apoia na
Palavra divina o pode sempre vencer. Professor no Seminário de
Mariana durante 40 anos.