Inicia-se a Quaresma que é um tempo de deserto para onde Deus conduz o cristão para lhe falar ao coração. Diz o Evangelho que Jesus “foi conduzido pelo Espirito ao deserto onde esteve durante quarenta dias (Lc 4,1-13). Trata-se para seu seguidor da procura de um silêncio vivificante, afastamento das distrações mundanas e um maior recolhimento interior. Deste modo, a exemplo do Mestre divino, é que se pode vencer corajosamente as tentações diabólicas.
O referencial é a verdade que deve reinar na vida do discípulo de Cristo. Ao reconhecer sua fragilidade diante das provações espirituais e das tentações do inimigo o cristão, superando as incitações para o mal, se dispõe a uma preparação eficiente para a Páscoa. Época, portanto, de uma profunda espiritualização, libertando-se dos critérios do mundo numa luta vitoriosa contra satanás. Jesus permitiu que o espírito maligno o tentasse e os três exemplos registrados pelo evangelista resumem as principais armadilhas do demônio.
Este leva muitas vezes o cristão a endeusar o alimento envolvendo-o na gula e fora daquilo que um nutricionista competente prescreveria para a boa saúde. Além disto, muito ousado, como fez com o Filho de Deus, o espírito mau quer ser adorado através das maiores aberrações sexuais ou outras ações perversas. Adite-se, como ocorreu na terceira tentação de Jesus, a deturpação das relações do ser humano com Deus. Tudo isto porque os formadores da opinião através dos meios de comunicação social, vão sorrateiramente envolvendo os incautos na impiedade e no desprezo das coisas sagradas. Quaresma se torna então o tempo favorável para um profundo exame de consciência de tal forma que se possa dizer ao tentador: “Não só de pão vive o homem”, “ao Senhor teu Deus é que adorarás e só a ele prestarás culto”, por meu intermédio não “tentarás ao Senhor”.
É preciso, portanto, verificar até onde cada um de nós se coloca no mundo, isso é, ou segundo os critérios de Deus expressos na Bíblia, ou conforme os ditames da mídia multiplicados nos diversos meios de comunicação cada vez mais sofisticados. Revisão de vida para averiguar o que se quer de Deus, ou seja, apenas sucesso a qualquer preço, conforto material, ou até mesmo ousadamente O colocando à prova. Isto porque espírito perspicaz, o demônio sabe multiplicar as emboscadas nas quais os ingênuos podem infelizmente cair. Com isto ele impede que se escute a voz de Deus lá no mais profundo da consciência, não se tendo fome e sede da justiça divina que deve orientar todas as decisões, levando a um sacrifício salvífico e a uma renúncia purificadora.
As tentações de Jesus nos mostram o caminho de uma verdadeira conversão. Alimentar-se, isso sim, da Palavra de Deus e render somente a Ele o culto que Lhe é devido. O diabo sabia que Jesus era o Filho de Deus, o que era verdade, mas as consequências que ele tirava foram errôneas e aí o cerne das tentações. Satanás queria que Jesus fizesse prodígios para, enquanto homem, afrontar os planos divinos. O demônio anseia sempre que o homem e a mulher sejam rivais de Deus que é o Senhor de tudo. Este foi o erro de Eva no paraíso querendo, como lhe propôs a serpente, ser a senhora do bem e do mal.
Jesus ensinaria a seus seguidores a rezar ao Criador “seja feita a vossa vontade” e não, portanto, desejar as veleidades humanas. Cristo dirá a seus discípulos que seu alimento era fazer em tudo a vontade do Pai e não transformar pedras em pão, nem fazer prodígios desnecessários, ou, pior ainda, adorar aquele que se revoltou contra o próprio Deus. Jesus mostrou que, sendo fiel ao projeto divino e à sua dignidade de Filho de Deus, Ele se mostraria como a Verdade Eterna que se encarnou para salvar a humanidade. Ao vencer as tentações Jesus cumpria as Escrituras e realizava sua vocação bem conforme a sua identidade.
Triunfador da fome, do orgulho, do desejo do poder, deixando exemplo magnífico para os seus seguidores. Nas três tentações Jesus mostrou as três atitudes filiais fundamentais: Ser filho de Deus é reconhecer que tudo nos vem dele, recebendo com gratidão o pão de cada dia; é ter confiança no Pai e não O colocar nunca à prova; é se apoiar na Palavra revelada, adorando somente a Ele. Na quaresma é preciso refletir sobre estas verdades, voltando-se cada um para Deus com profunda fé e intenso amor.
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.