Esta foi a orientação de Cristo: “Quem não carrega a sua cruz e me segue, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,25-33). Mestre extraordinário, Ele, sabiamente, estabeleceu as condições existenciais nas quais alguém, de fato, patenteia ser seu seguidor. Trata-se, em primeiro lugar, de não recusar as amarguras naturais a um exílio terreno. É a cruz específica de cada um, pois a dele Ele carregou até o Calvário. Eis porque quem O quisesse procurar sem a cruz encontraria fatalmente a cruz sem Ele e não conheceria assim o sentido profundo da existência da dor, do esforço penoso.
Sem Ele não se tem a verdadeira sabedoria e a segurança neste caminhar terreno. Nada mais importante do que estar unido a seu Senhor. Em segundo lugar, é preciso uma entrega incondicional a Ele, não preferindo ninguém acima dele. Entrega integral ao Mestre divino, dado que Ele não é rival das demais criaturas. O amor verdadeiro une sempre a Deus e ao próximo, mesmo porque, como se expressou São João “Deus é amor´(1 Jo 4,8). É nele que se fundamenta todo autêntico amor. Deste modo, o cristão que marcha seguindo Jesus, sabe calcular e não tem como referência nenhuma segurança terrena.
Esta se acha unicamente no divino Salvador. Além disto, tomar a própria cruz não significa procurar sofrimentos. Jesus não buscou a sua cruz, mas tomou, enquanto homem, aquela que havia determinado o Pai. Ele não veio também aumentar as aflições humanas, mas lhes dar um significado profundo, que é aceitar sempre a vontade de Deus. Acatar a cruz de cada dia é então um ato humano ativo, positivo, construtivo, santificador. Carregar assim a cruz após Jesus é algo profundamente transformador. Sobretudo no contexto histórico atual, quando o sofrimento atemoriza mais ainda, numa época pouco inclinada à ascese, tal reflexão se torna mais importante. Jesus não pregou o fatalismo ante o sofrimento, mas o dinamismo que transforma os espinhos da vida em méritos para a eternidade. A proposta da cruz feita por Ele não foi uma ameaça, mas uma fúlgida esperança. Na cruz está a salvação e a vida, a proteção contra os inimigos da alma e do corpo. Da cruz manam as suavidades celestiais, nela está a fortaleza do espírito, a alegria do coração, o compêndio da virtude, a perfeição da santidade. Jesus mostrou que quem não carrega sua cruz e não renuncia a todos os seus bens não pode ser seu seguidor.
O que Ele pregou neste caso foi o desapego total das coisas materiais, usando-as em vistas ao cumprimento de uma missão sublime nesta terra, olhos fixos na felicidade perene na sua companhia lá no céu. É deste modo que se obtém a liberdade dos filhos de Deus sem se submeter à escravidão do dinheiro, do próprio talento e do tempo de vida que Deus concede a cada um. Ele ensinou a viver com as dimensões do que cada um é ou possui, podendo estar sempre ligado a Ele. Ele recomendou carregar a cruz, portanto se trata não de uma condenação, mas de uma marcha para frente sem desânimo, sem procrastinação. Tudo aceito e feito com muito amor e gratidão a Ele. Jesus não suscita ilusões ou cria desilusões. Ele pede tudo porque Ele quer tudo dar, mesmo porque Ele ofereceu sua própria vida pela salvação de todos.
Como escreveu São Paulo aos Efésios: ”Ele nos amou e se entregou por nós” (Ef 5,2), Eis porque tomar a cruz não significa, de fato, ir à procura de sofrimentos. Ele mesmo tomou sua cruz em obediência ao projeto do Pai e o fez com muito amor e abnegação. A seu exemplo o cristão deve ver a cruz não como um instrumento de suplício, mas um sinal de redenção e glória. Como muito bem se expressou São Leão Magno “a Cruz é a fonte de todas as bênçãos e de todas as graças. É pela Cruz que os fiéis logram passar da fraqueza para o vigor, da ignomínia para a honra, da morte para a vida”.
São João Damasceno mostrou que assim vista “ a Cruz de Cristo é escudo, armadura e troféu contra o diabo”. Eis porque o autor do livro Imitação de Cristo declarou: “Não há salvação da alma, nem esperança da vida eterna, senão na cruz. Toma, pois, a tua cruz, segue a Jesus e chegarás à vida eterna .Este Senhor foi adiante, levando às costas a sua cruz, e nela morreu por ti, para que tu leves também a tua e nela desejes morrer.(Im. de Cristo, liv. II, c. 12). Sábias diretrizes que devemos colocar em prática para alcançarmos a salvação eterna através da cruz redentora de nosso Salvador.
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.