Na vivência cristã, algumas práticas são essenciais para se alcançar um grande ideal. Tais práticas nos ajudam a lapidar a nossa vida e alcançar o objetivo mais profundo no itinerário do amadurecimento humano. Este último, somente é possível se aceitarmos o que somos e se libertar de todo engessamento que bloqueia a nossa vida e que nos impede de viver autenticamente a nossa liberdade. Para tanto, é necessário dar nome às sombras que nos circundam e nos impedem de viver de forma consciente.
Um caminho que pode nos ajudar a evidenciar e dar nome às sombras que caminham conosco, é a vivência em comunidade. A vida quando vivida comunitariamente, ou seja, na fraternidade e no serviço, me impele a sair de mim mesmo, a me libertar de todos os muros existenciais e chegar ao meu coração e ao coração do outro. Esse exercício é libertador e ajuda-nos a dar um grande salto de qualidade no processo de amadurecimento humano e espiritual. Quando estamos em comunidade somos observados e o olhar do outro me revela, aponta para mim tanto as minhas qualidades quanto as minhas limitações. E aqui está o grande desafio da vida em comunidade: ter as limitações evidenciadas. Talvez, este seja um grande limitador para muitos viverem ou ajudar a comunidade.
Existem características ou limitações que não conseguimos observar em nós mesmos, mas somente com a ajuda de um irmão conseguiremos percebe-los e buscar formas de lidar com eles ou supera-los. Nesse sentido, a correção fraterna se torna uma prática cristã que auxilia a pessoa a crescer em sua experiência de amadurecimento e salto na vida espiritual. A correção fraterna constitui como um aviso de uma pessoa a seu irmão, quando algo chama atenção e é passível de questionamento. Quem o faz deve fazer de forma responsável e consciente para não causar danos ainda maiores na vida da pessoa, por isso, deve ser com amor, misericórdia e impulsionado pelo interesse autêntico e real preocupação cordial com a pessoa.
É verdade que muitas pessoas estão vulneráveis e não aceitam que seus erros sejam apontados, mas diante deste desafio, não se pode eximir da responsabilidade que temos para com os nossos irmãos e irmãs. A forma evangélica (Mt 18,15) como devemos chegar diante das pessoas se torna um caminho profícuo para ganhar o coração do seu irmão e ajuda-lo a perceber as áreas da vida que ainda precisam ser melhor trabalhadas. O Papa Francisco, ao falar da correção fraterna, usa uma metáfora e dá a indicativa perfeita para tal prática: o amor. Ele diz que, na correção fraterna, o amor deve ser como uma anestesia em uma cirurgia. Ao corrigir uma pessoa o amor deve ser a prerrogativa e não a exposição, difamação e diminuição da autoestima da pessoa. Quando antes se chega com o amor, não se sentirá a dor e a ferida será mais fácil de tratar. Assim como em uma cirurgia se coloca primeiro a anestesia para melhor desenvolver o processo do procedimento.
Em uma linguagem mais técnica, a correção fraterna está na linha da comunicação não violenta em que se coloca no centro a pessoa e não a intenção em atingi-la, feri-la ou expô-la ao ridículo. Este exercício exige, em primeiro momento, uma conversão pessoal em que a pessoa que corrige deve ter consciência do que está fazendo e que não está sendo impulsionada pelos instintos negativos de sua experiência, como ciúmes, raiva, vingança ou desejo de autoafirmação.
Na vida comunitária, na experiência pastoral ou em movimentos, perderíamos a chance de um amadurecimento se não houvesse espaço e espírito de elogio e também de correção. É muito mais fácil tratar tais situações com indiferença ou falar na ausência da pessoa, mas quando não nos desafiamos em realizar esse exercício de caridade pastoral, desperdiçamos uma grande oportunidade de crescermos a partir de nossos limites e sombras. Quando não ajudamos o outro a crescer, nos compactuamos com as suas fraquezas e não com ela enquanto pessoa humana. O amadurecimento humano é para ambos desde que sejam desafiados – refletida e responsavelmente – também pela correção. Por isso, é um exercício de saída, em que ambos compartilham de uma liberdade interior e de um encontro consigo mesmo e com o ideal realizável que se busca.
A correção fraterna, no entanto, não deve ser vista como algo chato, arrogante ou prepotente, mas, sobretudo, como uma virtude, um dom de Deus, pois se dá no amor, e que expressa o respeito, a atenção e a valorização do outro. Como diz no evangelho, ao perceber que seu irmão pecou, chama-o em particular e, com amor e misericórdia, corrija-o e, assim, o ganharás. Se isso não acontecer pessoalmente, chama mais um irmão e tente ajuda-lo e se ainda não der certo, leve-o à Igreja, isto é, ao padre, ao diretor espiritual, mas nunca desista da pessoa. Dessa forma, na vida comunitária, de pastoral ou de movimentos, caracteriza-se como uma fraternidade amadurecida e voltada não para si mesmo e para a manutenção das limitações, mas para o grande ideal que a vida cristã busca: ser em Cristo uma só família.
Róbson da Cunha Chagas
Seminarista da Arquidiocese de Mariana