No tempo de Jesus, quando se levava um homem ao suplício, em todo o
percurso até o lugar da execução, o condenado levava um letreiro com
letras bem visíveis dizendo o motivo do castigo. Eis o que se pode
ler, fixado sobre a cruz de Cristo “Rei dos Judeus”. Ora nesta mesma
época a região denominada Palestina não estava sem rei. Eram aliás
dois: Herodes Antipas na Galileia e na Transjordânia, e Felipe em
Golan. Apenas a Judéia com Jerusalém era controlada diretamente pelo
procurador romano. Se os juízes de Jesus, em particular o romano, o
haviam podido reter contra Ele esta anotação política “ele quis se
fazer rei” é que espontaneamente durante a vida pública de Jesus
muitos, sobretudo entre o povo haviam reconhecido nele o Messias
aguardado por Isael e, na verdade, um Messias Rei . Esperava-se que
Jesus tomaria em mãos os destinos políticos do paíz, ele que havia
alimentado uma multidão, multiplicando os pães num local deserto.
Esperava-se que afastaria o jugo do ocupante e daria novamente a
independência a seu povo. Jesus não acreditava nestas manifestações,
nem no que seria colocado sobre a cruz. Messias, filho de Davi, ele
o era de fato, Messias o enviado de Deus, mas não queria que o
assimilassem aos reis terrestres. Eis porque no decorrer de seu
processo Ele respondera a Pilatos: “Meu reino não é deste mundo” (Jo
18,36). A cena da crucifixão nos permite mesurar também a esperança
que Jesus havia suscitado; e o desapontamento da multidão diante de
um Messias crucificado. São Lucas nos descreve grupos de homens
perto da cruz: os chefes judeus que ironizavam: os soldados romanos
que zombavam; o povo que O olhava; Maria, mãe do crucificado, João
evangelista e outros fiéis. Jesus na cruz era bem, com diz São Paulo,
“um escândalo para os judeus e uma loucura para os pagãos” (1 Cor
1,23). Dois malfeitores estavam crucificados com Jesus sendo que um
fazia coro com os zombadores . As contestações traziam referência
ao verbo salvar, em ligação com o nome Messias, (Cristo) ou rei: “ Ele
salvou os outros, que salve a si mesmo, se é o Cristo, o Eleito”; “ se
és o rei dos judeus, salve-te a ti mesmo” “ Não és o Cristo? Salva-te
a ti mesmo e a nós”. Sem o saber estes homens que desafiavam Jesus
nos orientam para o essencial do mistério de seus sofrimentos e de
sua morte. Jesus não quer se salvar da cruz, porque ele queria nos
salvar pela cruz, pelo amor que Ele tem a seu Pai sobre a cruz. Porque
é o amor que traz a salvação e não o sofrimento por si mesmo. Nós
temos lá diante de Jesus sofredor uma luz que esclarece nosso próprio
destino e o destino de todos aqueles que nós amamos. Jesus não nos
salva da cruz, de nossa cruz, mas Ele nos salva pela sua cruz, pelo
amor que Ele nos provou ter sobre a cruz e Ele nos oferece a
oportunidade de nossa parte fazer de nossa cruz uma prova de amor.
Ele mesmo afirmou: “Aquele que quer me seguir, tome sua cruz e me
siga”. Qual é nossa cruz? É o real de nossa existência, o cotidiano de
nossas vidas, todas as grandes provas das tribulações, tudo que
devemos suportar para ficar fiéis a Deus e servir Jesus nos irmãos,
enfim tudo que nós assumimos por amor, para melhor reproduzir a imagem
di do Filho de Deus. Ele a nos dizer : “Toma tua cruz de teu combate
para demonstrar uma autenticidade cristã, a cruz de teu esforço de
caridade, a cruz das preocupações com o apostolado, tudo isto por
amor. É deste modo que nossa vida deve ser imolada a Cristo, Rei do
universo e vivida em função do soberano enviado pelo Pai. Nossa vida
já não nos pertence, mas àquele que por nós morreu e ressuscitou como
primeiro entre os mortos. Este é o destino pascal inscrito já no
nosso batismo, fundamento de todos os filhos de Deus, leigos ou
consagrados¸ crianças, jovens ou adultos. É no cotidiano que se adere
à vontade do Pai e se dá um encontro maravilhoso com a cruz deste Rei
singular, É no dia a dia que se diz a Deus que nós O amamos..
Trata-se de uma dileção e uma alegria cristãs. É em nossa vida de
todos os dias que Cristo Rei, o Messias quer ser nosso soberano,
porque Ele quer ser rei antes de tudo dos corações livres e
sinceros. Sua realeza não é deste mundo, ela não se apoia em
estruturas políticas, ela não se impõe pela força nem pela
subserviência das consciências. A realeza de Jesus é o brilho
universal de sua palavra, é a iluminação de cada coração dos que
creem, é o incêndio da caridade até os confins da terra, a começar
pelo incêndio de nosso coração, onde tudo deve receber o fogo da
imolação para glória de Deus e salvação do mundo
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos .