Nas pessoas de Marta e Maria o Evangelho nos mostra que o cristão deve
servir e rezar (Lc 10,38-42). Marta é aquela que sabe ser eficiente,
realiza uma tarefa útil, enquanto Maria sabia empregar o tempo
escutando Jesus, a Palavra de Deus. Deste modo uns são mais sensíveis
aos bens materiais imediatos e outros aos bens espirituais e se
identificam com uma ou a outra destas personalidades. Segundo os bons
hermeneutas, quando se faz esta análise simples, assaz simples, a
reflexão de Jesus a Marta é incompreensível, talvez injusta: “Maria
escolheu a melhor parte e ela não lhe será tirada”. Segundo esta
interpretação simplista então Jesus toma partido de uma contra a outra
e, neste caso, esquece o alimento que terá para comer. Se a
contemplação é superior à ação poderia dizer Marta, enquanto Jesus e
Maria curtiam as realidades espirituais. Entretanto, várias vezes
Jesus nos convita a uma caridade ativa, sobretudo quando nos previne:
“Não é aquele que diz Senhor, Senhor que entrará no reino dos céus,
mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céu” (Mt 7,21). É que
Jesus repreende Marta não porque ela está agindo, mas porque ela
estava agitada. “Marta, Marta, tu te preocupas e te agitas por muitas
coisas” Agir e agitar não é a mesma coisa. Como, aliás, nada fazer não
é forçosamente rezar e, menos ainda, ser contemplativo. Isto porque em
toda a vida uma só coisa é necessária, como ressalta Jesus e é porque
Maria ao contrário de Marta sabe colocar em prática a única coisa
necessária, que o Senhor a louva. Entretanto, qual é esta coisa única
e necessária? Marta nos ajuda a melhor compreendê-la. O Evangelho diz
que a atitude de Marta é estar ela absorvida pelas muitas tarefas do
serviço, ela se agita e está afobada e até protesta contra sua irmã.
Ela se concentrava unicamente no que tinha a fazer, no que tinha a
organizar e esquece a razão de ser de todo aquele serviço. O valor de
nossas ações deve ser, por uma grande parte, a resposta a estas
questões “porquê e para quem”. Se nosso olhar se fixa sobre a
materialidade de nossas obras, se perdemos o sentido, a finalidade de
nosso trabalho, de nossos ofícios, então se corre o risco de ser
absorvido pela extensão de nossas tarefas e ficar desanimado pelo
incessante recomeço de cada hora numa rotina monótona e sem
significado. Esquecendo-se a razão de ser de determinado serviço, ou
seja o amor a Jesus, vem a agitação. Marta, como foi dito, não agia,
estava, isto sim, agitada e protestava veem entente, “isto não é
equitativo, somente eu a trabalhar”. Não fazia, assim, um julgamento
imparcial sobre os que a rodeavam. A discórdia se instalava entre ela
e sua irmã, elas que deveriam estar unidas. Perdendo o sentido de seu
serviço, Marta pedia também a alegria e a paz interiores. Entre se
agitar ou escutar tranquilamente a Palavra de Deus a melhor parte é
facilmente discernível. Não se trata no Evangelho de hoje de
descrever a figura do cristão ativo e a do cristão contemplativo,
opondo-os entre si, mas de nos colocar em guarda contra a perda do
sentido que nos faz perder o fundamento último daquilo que se pratica.
Se nossos serviços, nossas tarefas não encontram um sentido positivo
no amor, ele se tornam algo que escraviza e do qual se deve se
libertar. Esquecendo-se que nossos deveres têm um sentido numa
dinâmica de vida que leva o cristão à perfeição do amor, se cai num
materialismo insensato, condenável. Para o cristão toda sua vida deve
ser a expressão do amor de Deus que é a Vida em plenitude.
Compreende-se então que a prece e a ação não se opõem uma à outra
desde que não se viva na mediocridade. Trata-se da oração como uma
simples inatividade e a ação como uma mera agitação. Entretanto se a
prece e a ação são vividas como uma decorrência da caridade elas se
tornam uma maneira única de se estar louvando a Deus e de se estar ao
serviço do próximo. Portanto, como Marta se pode fazer muitas coisas,
mas superficialmente sem estarem elas impregnadas do verdadeiro amor.
Com efeito, sob o ponto de vista da Fé uma obra caritativa toma todo
seu peso e seu valor quando ela não simplesmente é mera obra da
vontade humana e não colaboração de nossa liberdade com a obra de
Deus.
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.