Há momentos em que nos sentimos cansados de tudo, ou seja, de oferecer
algo aos outros, de recomeçar, de ir buscar água nas fontes, de
apanhar a água balde a balde sem nunca ser suficiente tal tarefa. Por
vezes, é no momento mesmo em que dizemos “Tenho sede” que Jesus, para
uma resposta, nos diz calmamente: “Dai-me de beber”. É que para
refazer nossas forças Ele nos solicita um serviço; para nos conferir
confiança, Ele nos dá a possibilidade de lhe oferecer algo, como, por
exemplo, uma água fresca. Trata-se, na prática, de um momento de suma
gratuidade, ou seja, da escuta de suas mensagens, de uma prece que
flui do íntimo do coração; da adesão perfeita à vontade do Pai, como
nós somos com nossas fraquezas e nossas possibilidades que Ele conhece
melhor que nós mesmos. Muitas vezes, Jesus atravessa nosso caminho
como aquele que se convida e nos convida. No Evangelho de hoje (Jo
4,5-42) Jesus não era um convidado pela mulher de Samaria e esta não
pensava senão na água para seu último falso marido. É de se notar que
é Cristo que toma a iniciativa do diálogo à beira do poço, como tantas
vezes Ele procede conosco. O que importa nas várias circunstâncias da
vida é não fugir do encontro com Ele, não se esquivar do olhar de
Cristo, ostentando uma autossuficiência que tornaria menos visível
nosso contato com Ele, menos clara nossa opção pelo Reino de Deus,
menos austeros nosso caminho até Ele a o colóquio com este Mestre
divino. A Samaritana pensou inicialmente resolver humanamente a
questão levantando o fato de um judeu estar a pedir água a uma
samaritana e os judeus não se davam bem com aquele povo. Ela, contudo,
logo percebeu o que lhe seria pedido, ou seja, a conversão de seu
coração, uma mudança de vida. Cristo também nos interpela Ele que tão
bem nos conhece, como Ele conhecia a vida da Samaritana. Como
acontecia com ela, Jesus quer sempre que nós lhe descrevamos nosso
proceder, pois Ele quer de nós a palavra que liberta antes que Ele
pronuncie a palavra que salva. Ele tudo sabe, tudo conhece. Conhece
nossa história, a esperança que trazemos dentro de nós e nossos
momentos de fragilidade. Não obstante nossas negligências e falsos
compromissos, é a Ele que decidimos pertencer e por nada neste mundo
queremos deixar sua presença nem trair sua amizade. Ele sabe que nós O
amamos. Ele nos visita como aquele que salva, redime. Ele acolhe tudo
para tudo recriar. Ele quer tudo para tudo santificar, purificar,
salvar. Ele nos diz como à Samaritana: “Vai vasculhar teu passado,
todos os teus atos e dai-os a mim”. Com Jesus o passado não impede
nunca o futuro. Se Jesus coloca às claras nossas feridas é para nos
mostrar um caminho de liberdade. A iniciativa de Cristo não é nunca
culpabilizante e a calma com que conduz o diálogo sublinha bem que Ele
não trabalha com pressões morais, mas no nível da verdade e podemos
sempre lhe dize: “Tu dizes bem e o que tu dizes é verdadeiro”. É já
viver a salvação o ser autêntico, sincero com o divino Salvador, sem
contestações, sem cálculos. Cumpre, porém, face a seu olhar de
misericórdia deixar descer a verdade no fundo do nosso ser e é isto
que liberta. Cristo vem até nós como aquele que nos transforma em
apóstolo. A Samaritana antes de ser totalmente convertida, antes mesmo
de ter ultrapassado o estágio das primeiras interrogações, recebe uma
missão de Jesus: “Vai, chama teu marido, e volta aqui”. Tarefa
impossível de ser realizada sem um retorno na vida daquele mulher,
porque ela deve se encontrar com o verdadeiro marido, mas esta
clarificação que lhe é proposta é como envolver sua missão e é mesmo a
tarefa que resulta o mais claramente do que lhe pedia Jesus. Junto a
seus conterrâneos a Samaritana proclama: “Vinde ver”! Ela, entretanto,
não força o assentamento, pois leva somente um testemunho e propõe uma
questão. Uma declaração que um estrangeiro vem de fazer sobre ela:
“Ele me disse tudo o que eu tenho feito”. Paradoxalmente sua má
conduta passada torna seu testemunho ainda mais contundente. Ela
resume inclusive o processo de sua própria fé: “Este homem que me
abordou, que me falou como um profeta, não será ele o Messias?” Quanto
a nós que cremos que Jesus restaura nos incutindo confiança,
respondamos sem temor à sua amizade e sejamos sempre um testemunho de
sua graça. Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.