A solenidade de Todos os Santos é uma etapa do ano litúrgico que pode
induzir os incautos a um erro, ou seja, festejar o mistério celebrado,
olhando unicamente para o céu. A tentação é forte de prestar atenção
somente aos Santos que se acham no paraíso junto de Deus. Eles, de
fato, são os frutos mais preciosos e maduros da árvore da perfeição
espiritual. Atraem uma admiração abismada, mas que pode impedir
vislumbrar a santidade e o engajamento na vida cotidiana dos santos
que ainda labutam no cotidiano deste mundo terrestre. Entretanto o
Evangelho nos orienta de maneira decisiva em outra direção e deve nos
levar a evitar este erro (Mt 5,1-12). São Mateus na narrativa das
bem-aventuranças indica o caminho a seguir na vida para poder
recolher os frutos da adesão integral na vivência do dia a dia nesta
terra. A colheita será abundante se hoje somos efetivamente pobres em
espírito, se temos fome e sede de justiça, se somos misericordiosos,
tendo uma vida inteira pura, se construímos a paz. Além disto, se
suportamos as injúria, as perseguições e os falsos testemunhos por
causa da justiça, quando somos provados durante o nosso caminhar
terreno. Aí está uma descrição viva da santidade como convém aos que
se comportam como filhos de Deus que um dia gozarão dele por toda a
eternidade Trata-se de trilhar um caminho da perfeição cristã, no
esforço cotidiano se tornar semelhantes ao Pai que está lá no céu. É a
vivência completa da nossa vocação batismal. Dois os pilares a
sustentarem este edifício da vocação à santidade: Amar a Deus sobre
todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O viver de quem foi
batizado deve ser um caminho de uma conversão contínua, como
aconteceu, por exemplo, com Santo Agostinho depois de sua mudança
radical de atitude perante Deus. A vida cristã parte sempre de um
chamado divino, de um encontro com a verdade de Cristo como aconteceu
com Pedro e André às margens do mar da Galileia, ocasião em que
estavam ocupados em suas atividades de pescadores. Eles souberam
abandonar uma existência feita de fatos de cada hora para seguir a
Verdade e se tornarem pescadores de homens, pregoeiros corajosos de
uma Palavra capaz de transformar o mais íntimo do ser humano, tanto o
coração dos sábios como o das pessoas simples e dos pequenos, uma
Palavra salvadora para todos. A solenidade de Todos os Santos nos
interroga antes de tudo sobre nossa vocação, sobre nossa capacidade de
renunciar a nós mesmos, às nossas falsas seguranças e mesmo à ideia
que nós fazemos daquilo que é ser santo. Como Pedro e André, como
tantos outros na milenar história da Igreja, devemos pedir sempre a
Deus a coragem de saber abandonar os numerosos entraves da vida que a
aprisionam nossa vocação para a santidade, a saber, as barreiras que
se opõem às sábias exigências do Evangelho, como o egoísmo, o
individualismo que limitam nossa real participação ativa no
crescimento da comunidade na qual estamos inseridos, o terrível
empecilho da guerra conosco mesmos e com os outros. Isto destrói as
relações sinceras com o próximo. Adite-se a preguiça que nos impede de
coloca,r à disposição dos outros nosso tempo e nossos talentos. Todos
estes obstáculos anulam o espírito das beatitudes e são empecilhos na
caminhada da santidade Além disto, por exemplo, a imagem bíblica de
São Pedro na prisão deve levar a refletir nas consequências da
disponibilidade até o sacrifício pessoal para seguir a Verdade como
vemos também em tantos lances da existência dos outros santos. Antes
da Paixão e Ressurreição de Jesus, Pedro era tímido, temeroso e mesmo
sujeito a falhas clamorosas. Depois, porém, de receber o dom do
Espírito de Pentecostes Ele se fez testemunha intrépida de uma
liberdade particular, aquela lhe foi comunicada por Cristo, ou seja,
liberdade com relação a lutar contra o pecado e o mal. Paradoxalmente
o anúncio desta liberdade levou Pedro e Paulo para a prisão. Em
nossos dias aquele que tem a coragem demonstrada por estes Apóstolos e
os demais santos através dos tempos, destemor para anunciar a
liberdade das beatitudes, liberdade diante da hipocrisia, da ira, da
injustiça social, do enriquecimento egoísta, são marginalizados,
condenados e, até perseguidos. A estes é imposto silêncio por uma
sociedade corrupta e pelos interesses mesquinhos dos homens perversos.
No entanto, é a luta pela liberdade de ação que devemos proclamar, se
bem compreendemos as beatitudes. Nenhuma injunção humana deve colocar
um limite no caminho da perfeição cristã, pois o amor a Deus e ao
próximo precisa ser total e desinteressado. Não se deve, porém se
deixar iludir uma vez que o caminho da santidade não é fácil. A luta é
empregando as armas oferecidas pelas bem aventuranças. Para nós,
portanto, ser santo deve significar vencer graças ao poder
extraordinário da Palavra de Jesus
Professor no Seminário de
Mariana durante 40 anos.